Primeiro de Dezembro

Alan Dubner
8 min readDec 1, 2021

Da COP26 à presença do Ômicron

Estamos entrando no último mês do primeiro ano da terceira década do século 21. Onde estamos? Sabemos quem somos individualmente e ou coletivamente? Temos alguma ideia de como será o caminho civilizatório da terceira década deste século? O que aprendemos em 2021? O que mudou? Quais são as verdades que adquirimos, quais foram ressignificadas e quais foram confirmadas?

Todas essas verdades são a nossa necessidade de ter explicações para tudo. Por que precisamos de explicações? Por que acreditamos nas explicações? Será que escolhemos em quais explicações acreditar ou somos levados a acreditar? Por que, geralmente, acreditamos em apenas uma das explicações?

“Toda verdade passa por três estágios.
No primeiro, ela é ridicularizada.
No segundo, é rejeitada com violência.
No terceiro, é aceita como evidente por si própria”. Arthur Schopenhauer

Esse trecho todo acima foi copiado e atualizado do texto inicial de primeiro de dezembro de 2020.

Será que depois de 20 meses de pandemia continuamos a acreditar no inacreditável e nos comportar da mesma maneira? O pior que pode nos acontecer é voltarmos ao que éramos em 2019 e, no entanto, muita gente está procurando caminhar para essa direção. Voltar ao normal ou para um novo normal, não é normal… é Normose! Normose é “um conjunto de hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos e nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida”, essa patologia é definida por Roberto Crema, Jean-Yves Leloup e Pierre Weil em seu livro — Normose: A patologia da normalidade — veja o TED do Roberto Crema que recomendei em outubro do ano passado: http://bit.ly/TEDnormose

Esse mês de novembro aconteceu o que deveria ter sido um momento decisivo (turning point) nas questões climáticas, a COP26. Na verdade o que aconteceu, na parte oficial, foram os negócios como de costume (business as usual) e qualquer possibilidade de se firmar algo mais concreto foi deixado para o ano que vem no Egito.

O que ficou evidenciado nessa COP26 foi a procrastinação dos líderes mundiais. Evidenciou que ninguém realmente se importa em prometer o que não tem intenção de cumprir. Algo raro na política? Ficou claro também que não há razão de se fazer as próximas COPs com os líderes dos países, sejam presidentes, ministros ou outras pessoas das imensas e inúteis delegações que viajam uma vez por ano… para nada! O Brasil tinha a maior delegação do mundo, até mais do que o Reino Unido. Foram 479 membros inscritos, pelo Brasil, oficialmente na ONU. Desses, pelo menos 57 não pertencem a nenhum governo federal, estadual ou municipal, são empresários e representantes de associações corporativas, ligados à indústria e ao agronegócio. Entre todos esses inscritos na comitiva brasileira não há ONGs, ambientalistas, cientistas, pesquisadores, movimentos sociais ou organizações indígenas. O embaixador Paulino Franco, disse à Folha quando questionado sobre a recusa no credenciamento de ONGs que “A delegação oficial não pode incluir representantes que não são do governo.” Era melhor ter ficado quieto!

Quem se deu bem foi a indústria dos combustíveis fósseis que enviaram mais de 500 delegados (quando li isso achei que era fake news) para fazer lobby em todas as salas de negociação. Se isso é permitido numa COP… para que servem as COPs? — aliás minha grande pergunta. A grande diferença dessa COP para as anteriores é que por ter sido durante essa pandemia ficou claro que dá sim para “alterar o mundo todo”. A grande questão que se dizia nas COPs anteriores era de que não dava para “parar” o mundo. Dá sim!! O draft do texto final já era um conto da Carochinha… eles tiveram ainda que “suavizar” para o texto final. Como assim???? Mudanças como “eliminação gradual” para “redução gradual”.

Como sempre tivemos duas COP26. A primeira da ZONA Azul (Blue Zone) que foi o fiasco de sempre regado a algumas poucas intervenções maravilhosas como a da nossa indígena Txai Suruí (publiquei o discurso dela no texto do mês passado) que fez parte da abertura no dia 1 de novembro. Veja aqui a entrevista no Roda Viva dessa última segunda com ela e seu pai Almir Suruí.

A sociedade civil por outro lado se posicionou maravilhosamente bem todos os dias. Principalmente os jovens e as comunidades indígenas. São heróis que conseguiram a duras penas viajar até lá, encontrar onde ficar, arcar com os altos custos da estadia e enfrentar a superlotação de espaços oficiais que não comportavam o grande número de participantes. Foram eles que tomaram as ruas e os espaços alternativos para finalmente tornar Glascow uma razão de ser.

O resultado final precisaria entrar item por item (Mitigação, Adaptação, Finanças, Perdas e Danos e alguns outros como o artigo 6 do Acordo de Paris), o que já foi muito bem feito pela mídia especializada desde o início da COP26. Teve alguns poucos avanços que precisamos celebrar e muitos retrocessos que dessa vez ficaram evidentes. A COP21 de Paris foi camuflada fingindo ter sido um sucesso quando na verdade foi um fracasso retumbante para o meio ambiente. O sucesso de Paris foi diplomático e novamente pergunto “para que servem as COPs?”

E o Brasil com seu imenso stand para ironicamente mostrar um “Brasil real”. Ninguém caiu nessa e os verdadeiros protagonistas desse Brasil real foram os cientistas, ativistas, pesquisadores, jornalistas ambientais e institutos com grande credibilidade. Um ponto bem positivo para o Observatório do Clima que mobilizou mais de 200 entidades idôneas do Brasil e foi um farol da atuação brasileira em Glascow. Na sexta que deveria ser o encerramento, cada país falou do seu posicionamento em relação ao rascunho do texto (Brasil focou no artigo sexto do acordo de Paris). Logo após a fala dos representantes dos países havia uma calorosa salva de palmas. Venezuela não foi aplaudida e ficou um silêncio constrangedor. Depois que o Brasil falou também não teve aplauso… senti muita vergonha! Para não dizer que não falei das flores, o Brasil teve alguns momentos bons (acredito que foi fruto de um Itamaraty mais autônomo) como a assinatura de redução das emissões de metano em 30% até 2030. Isso vai afetar significativamente a indústria da proteína no Brasil. Ainda não sei como conseguiram que assinássemos isso. Num primeiro momento me surpreendeu positivamente e depois quando ficou claro que o governo escondeu os números da taxa do desmatamento do INPE que saiu apenas em 18 de novembro quando já estavam prontos em 27 de outubro… pareceu mais uma manobra para (literalmente) inglês ver.

A Relação direta entre as causas do COVID e as Emergências Climáticas na COP26 ficou bem definida em vários grupos de trabalho, a meu ver, não deixando mais dúvidas sobre a relação direta entre eles e numa visão de futuro das pandemias.

E o COVID na COP26? Esse é um assunto mantido a sete chaves pelo governo do Reino Unido e pela maioria dos países e até mesmo por entidades participantes. Não é um assunto que queremos incluir na pauta de uma agenda. E quanto a variante Ômicron? Teria o evento em Glascow ajudado a espalhar? A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, acredita que não, mas diz que não ser impossível devido as datas. Acredito que há poucas chances de a COP26 não ter sido um fator de espalhar a variante Ômicron entre os países. Primeiro porque quem estava lá percebeu as falhas nas medidas de segurança para contenção do coronavírus. Entre elas os testes rápidos (lateral flow test) que muitos testaram negativo e quando testaram para embarcar estavam positivos. Além disso os testes não providenciam o sequenciamento genômico para saber de que vírus se trata. Somente exames posteriores é possível verificar isso. Os números oficiais de infectados são apenas 291. Isso é tão longe da verdade que espero que o governo Escocês libere os números reais num relatório que prometeram entregar em dezembro. Eles têm o número real. Novamente, entre as consequências negativas do encontro de Glascow estão a possibilidade de disseminação da COVID entre os países participantes. É uma questão sistêmica que não pode ser vista apenas localmente e as autoridades do Reino Unido querem nos convencer apenas com as medidas locais do evento. Um exemplo da falta de um olhar sistêmico para a segurança sanitária em Glascow foi a situação escandalosa de Gleneagles, um hotel de luxo que recebeu mais de 30 delegações internacionais para a COP26, entre elas Suíça, Espanha, Noruega e Korea do Sul. A empresa responsável contratada pela segurança alojou o pessoal da segurança em quartos com 40 pessoas dormindo e comendo lado a lado numa cama de camping com nenhum cuidado (e parece que nem foram testados).

Ontem o Reino Unido confirmou 22 contaminados com a Variante Ômicron, Botswana 19, Holanda 14, Portugal 13, Dinamarca 5, Alemanha 4, Brasil 3, Noruega 2 e Estados Unidos 1. Na África do sul há mais de 100 casos verificados. Fica claro que há muito mais que não foram relatados ainda simplesmente porque o sequenciamento genômico não consegue ainda detectar. Claro que ainda, também, não conseguem saber qual o real perigo que essa nova variante está trazendo.

Se as realizações em Glascow forem medidas por declarações de que onde há floresta há pobreza, ou que a redução do gás metano será através de reduzir a vida do boi em um ano… será difícil caminharmos numa direção onde a humanidade seja contemplada.

Para finalizar gostaria de repetir que a COP26 evidenciou é o total despreparo e desinteresse dos líderes de governo, com raras exceções, em promover ações que realmente alterem o rumo do desastre em que nossa civilização está se autodestruindo. Eles continuam a procrastinar como se fosse possível fingir que não é com eles. Chegaram ao poder através das mãos das indústrias que mais contribuem com a catástrofe… que mais poderiam fazer do que protegerem seus interesses? Para piorar esses pseudo líderes causam distração do que realmente deveria ser negociado. A mídia corre atrás deles como se fossem astros de cinema e lhes dão uma cobertura que une o inútil ao desagradável. Com tudo isso fica difícil para a população global deixarem de ser reféns cúmplices de uma aceleração na degradação da humanidade. É o que a Hannah Arendt chamou de “banalidade do mal”, ou seja, precisa ser muito desavisado para comprar ações da indústria do petróleo, da proteína, da agricultura predadora. Desavisado por investir numa indústria que irá se extinguir. Desavisado, caso pense no curto prazo, por estar contribuindo com o eminente desastre e querendo lucrar em detrimento do futuro.

Acredito que entre todas as coisas que podemos fazer como indivíduos, como família, como cidadãos é quanto a Educação para Sustentabilidade para que a próxima geração tenha consciência e saiba o que esteja fazendo com a nossa humanidade.

Vou deixar, mais uma vez uma das frases do David Attenborough na abertura da COP26:

“Em minha vida, testemunhei um declínio terrível. Na sua, você poderia — e deveria — testemunhar uma recuperação maravilhosa.”

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Alan Dubner

Consultoria em Sistemas de Aprendizagem e Educação para Sustentabilidade