Primeiro de Fevereiro 2024

Alan Dubner
10 min readFeb 2, 2024

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Faltam 90 segundos para meia noite

Em 1945 um grupo de cientistas atômicos da Universidade de Chicago, entre eles Einstein e Oppenheimer fundaram o Boletim dos Cientistas Atômicos que criou (1947) o Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock). Na época a ameaça nuclear era o principal motivo da humanidade rumar para o apocalipse. A ideia é que, simbolicamente, ao chegar à meia noite o mundo, para a raça humana, chegaria ao fim. O Relógio tornou-se um indicador universalmente reconhecido da vulnerabilidade mundial à catástrofe global causada por tecnologias criadas pelo homem. De tanto em tanto eles iam atualizando os minutos conforme eventos mundiais relevantes. Em 1947 definiram que estávamos a 7 minutos de tudo acabar; em 1949 caímos para 3 minutos por conta da corrida pelas armas nucleares; em 1953 fomos para 2 minutos por causa dos testes com as bombas de hidrogênio (EUA e União Soviética); em 1960 voltamos para os 7 minutos iniciais; 1963 para 12; 1991 para 17 minutos; em 2020 caímos vertiginosamente para 100 segundos onde mudanças climáticas e aumento e descontrole de armas nucleares agravou nossa direção ao fim. No relatório de 2020 o Brasil (Bolsonaro) foi mencionado diretamente: “No ano passado, alguns países tomaram medidas para combater as alterações climáticas, mas outros — incluindo os Estados Unidos, que formalizaram a sua retirada do Acordo de Paris, e o Brasil, que desmantelou políticas que protegiam a floresta amazónica — deram grandes passos para trás.” O ano passado (2023) foi feito mais um ajuste para 90 segundos e na semana passada (23/01) anunciaram que continuamos nos 90 segundos em 2024. O ajuste será anual a partir de agora. Como será o resultado em 2025? Coisas graves estão pela frente. As guerras continuam a crescer e escolha de lados se intensificou. Se Trump for eleito esse ano, será o maior desastre possível para a preservação da humanidade. O relógio deve descer para 30 segundos. Emergência Climática é mais um grave fator de risco. O ano de 2023 foi mais quente da história desde 1880 quando começamos a medir a temperatura do planeta.

Como se mede a temperatura de um planeta? Um vídeo curto (9 min) da Nasa explica com simplicidade

O que podemos fazer? O site do Boletim responde que devemos ficar espertos e aprender o máximo que pudermos sobre o que pode destruir o nosso modo de vida, compartilhar o que aprendermos e pressionar os políticos para não investirem o dinheiro de nossos impostos em armas nucleares ou subsídios a tecnologia de combustíveis fósseis. Eu acrescentaria cuidar para termos um consumo sustentável, sem consumir produtos ultraprocessados, alimentos com agrotóxicos e reduzir ou cortar o consumo de carne produzidos pela indústria da proteína animal. Abolir o plástico, compensar as pegadas ecológicas das viagens, preferir utilizar transporte público, usar veículos a combustível vegetal e ou elétrico e sorrir sempre que puder.

Site do Relógio: https://thebulletin.org/doomsday-clock/current-time/

Outra pergunta no site:

“Como voltar o relógio?

Todos na Terra têm interesse em reduzir a probabilidade de uma catástrofe global provocada pelas armas nucleares, pelas alterações climáticas, pelos avanços nas ciências da vida, pelas tecnologias disruptivas e pela corrupção generalizada do ecossistema de informação mundial. Estas ameaças, isoladamente e à medida que interagem, são de tal carácter e magnitude que nenhuma nação ou líder pode controlá-las. Essa é a tarefa dos líderes e das nações que trabalham em conjunto na crença partilhada de que ameaças comuns exigem uma ação comum. Como primeiro passo, e apesar das suas profundas divergências, três das principais potências mundiais — os Estados Unidos, a China e a Rússia — deveriam iniciar um diálogo sério sobre cada uma das ameaças globais aqui descritas. Aos mais altos níveis, estes três países precisam de assumir a responsabilidade pelo perigo existencial que o mundo enfrenta agora. Eles têm a capacidade de tirar o mundo da beira da catástrofe. Deverão fazê-lo com clareza e coragem, e sem demora.

Faltam 90 segundos para meia-noite.”

Falando em chegar à meia noite, na semana passada, Edgar Morin (102 anos) publicou no jornal francês Le Monde um artigo com o título “O progresso do conhecimento levou a uma regressão do pensamento”, que deve em algum momento reproduzido em português. O texto inicial diz:

“Se é meia-noite no século: quando Victor Serge publicou o livro que leva este título, em 1939, ano do pacto germano-soviético e da divisão da Polónia, era de fato meia-noite e uma noite irrevogável estava prestes a engrossar e continuar por cinco anos.

Não é meia-noite no nosso século? Duas guerras estão em andamento… Essas guerras agravam a conjunção de crises que atingem as nações, alimentadas pelo antagonismo virulento entre três impérios: os Estados Unidos, a Rússia e a China. As crises alimentam-se umas das outras numa espécie de policrise ecológica, econômica, política, social e civilizacional que se amplificará… A democracia está em crise em todos os continentes: é cada vez mais substituída por regimes autoritários, que, ao disporem de meios de controles digitais sobre as populações e os indivíduos, tendem a formar sociedades de submissão que poderiam ser chamadas de neototalitárias. A globalização não criou solidariedade e as Nações Unidas estão cada vez mais desunidas.”

Do alto de seus 102 anos, lançou, a menos de um ano, um novo livro “Ainda um momento…” (Encore un moment) e continua dando lições para esse século.

Relógio do Fórum Mundial em Davos 2024

O Relatório de Riscos Globais que saiu alguns dias antes do início das conversações mostra que um dos principais riscos é a Desinformação (que corre livre e solta). A questão da Emergência Climática e Meio Ambiente também foram altamente relevantes. A questão dos conflitos mundiais e inteligência artificial não tinham como ficarem de fora. A Ministra Marina Silva, mais uma vez, foi uma voz muito importante nessa crise civilizatória. Ainda bem!

A Conclusão do Relatório Global de Risco 2024, que precisa levar em conta as mais de 100 páginas de conteúdo é:

“O mundo está passando por múltiplas transformações estruturais de longo prazo: a ascensão da IA, as mudanças climáticas, uma mudança na distribuição geopolítica do poder e as transições demográficas. Estas forças estruturais são globais, generalizadas e carregadas de ímpeto (momentum). Neste contexto, os riscos conhecidos e emergentes necessitam de preparação e mitigação. Estratégias localizadas, esforços inovadores, ações coletivas e coordenação transfronteiriça desempenham um papel importante na abordagem destes riscos.

Estratégias localizadas, que alavancam o investimento e a regulamentação, são fundamentais para reduzir o impacto dos riscos globais, e tanto o setor público como o privado podem desempenhar um papel fundamental na extensão dos benefícios a todos. Ao dar prioridade ao futuro e concentrar-se na investigação e desenvolvimento inovadores, os esforços de entidades individuais podem tornar o mundo um lugar mais seguro. As ações de cidadãos, empresas e países individuais — embora talvez insignificantes por si só — podem fazer avançar a redução do risco global se atingirem uma massa crítica. Por último, a coordenação transfronteiriça continua a ser o único caminho viável para os riscos mais críticos para a segurança e a prosperidade humanas.”

Talvez seja mais do mesmo e do esperado, mesmo assim, é mais um guia para buscarmos luz no fim do túnel.

Relatório Global de Risco 2024: https://www3.weforum.org/docs/WEF_The_Global_Risks_Report_2024.pdf

Da COP28 a COP30

Apesar de todos os pesares, a COP28 não foi um total fracasso. A tragédia anunciada meses antes e confirmada durante o evento em Dubai, só foi amainada nos momentos finais onde a pressão externa, principalmente, da sociedade civil, alcançou alguns importantes resultados apesar de ainda longe de enfrentar a emergência climática. A questão de triplicar a capacidade global de energia renovável e duplicar a média global de eficiência energética até 2030 é muito ridícula. É óbvio que isso já iria acontecer independente de qualquer objetivo firmado na COP28, as previsões são inclusive maiores que essa. A jogada inicial de aprovar, logo de cara, uma resolução para Perdas e Danos foi outra estratégia de desvio de atenção para o que realmente era importante: redução drástica dos combustíveis fósseis. No final, final mesmo, a duras penas foi possível incluir a frase “fazer a transição em direção ao fim dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando as ações nesta década crítica para atingir emissão líquida zero até 2050, de acordo com a ciência”. Precisou de 28 COPs (quase 30 anos) para, pela primeira vez, incluir o início do fim dos combustíveis fósseis no mundo. Tudo bem que não quer dizer nada, mas já alguma coisa. O Brasil na total contramão dessa ação está pressionando para ampliar significativamente a exploração do Petróleo em áreas de risco ecológico. Até entrou na OPEP+, um gesto que manchou a condução maravilhosa que as ações do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima vem colhendo resultados surpreendentemente positivos. Além disso se essa catástrofe se realizar, sairemos imediatamente da possibilidade de alcançar os resultados definidos (NDC — Contribuição Nacionalmente Determinada) no Acordo de Paris.

Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima escreveu um artigo, na última sexta-feira (26/01) pontuando muito bem os resultados da COP28 e a política nacional.

Quanto a COP29 será o segundo ano consecutivo em que as negociações climáticas mais importantes da ONU serão organizadas por um “PetroEstado” que, assim como os Emirados Árabes Unidos, são fortemente dependentes da produção de combustíveis fósseis. O Azerbaijão, onde já deu um escândalo por não incluírem mulheres na comissão, foi escolhido, onde o conflito de interesse continua muito evidente. Me preocupo em pensar que na COP30 também seremos um país rumo a dependência do Petróleo. Sou otimista, apesar de algumas evidências.

Meta das Redes Sociais

Ontem 31 de janeiro, Mark Zuckerberg foi obrigado (pelo senador Hawley) a se desculpar publicamente para as famílias de crianças abusadas presentes na audiência da Meta (ex-Facebook) no Congresso Americano. Foi acusado (pelo senador Graham) de ter sangue nas mãos por ter um produto que mata pessoas. O foco dos senadores é alterar uma lei passada em 1996, a seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações que permite aos prestadores de serviços online ampla imunidade contra ações judiciais relacionadas com as postagens de quem as utiliza. Em outras palavras isenta as redes sociais de responsabilidade sobre o conteúdo publicado pelos usuários. Essa discussão é sistêmica e não tem um certo ou um errado, são muitos aspectos a serem desdobrados. O fato é que essas plataformas enriquecem numa proporção gigantescamente maior do que as ações que fazem para coibir essas práticas criminosas. Essa audiência tem, também, a intenção de promover o projeto de lei KOSA, sigla em inglês para Segurança Online para Crianças. A questão é se o projeto realmente tem como objetivo único proteger as crianças ou existe alguma agenda oculta sendo maquiavelicamente preparada. Uma oposição forte ao KOSA vem crescendo. A questão principal, sempre que há uma polarização, é que (no geral) os dois lados são uma péssima opção.

Conversando com o Gpt

Estou terminando de ler o livro “O Poeta e o Robot” escrito pelo precioso José Ernesto Bologna. É, em primeiro lugar, um presente para o leitor. Bologna conversa com o ChatGpt através da mais requintada e eficaz forma de linguagem: a Poesia (sim, com P maiúsculo). O protagonista dessa conversa é a Palavra, usada de forma onde desafia a linguagem a se revelar, desvendar… desnudar. A sensação que estou tendo desse encontro desafiador é parecida com a que senti num duelo de banjos no filme Deliverance (1972). Um menino, aparentemente com problemas mentais, mas altamente talentoso com seu instrumento musical acompanha o desafio de um talentoso violão até se tornarem um. Bolongna e Gpt conversam de uma distância tão gigantesca e se aproximam pela palavra e pela modelagem da linguagem. Um passeio agradável pela Filosofia, pela Poesia em si, pelo Ser ou não Ser dos Grandes Modelos de Linguagem LLM (Large Language Models), pelos perigos dos humanos mal-intencionados e muito… muito mais. Alan Turing iria adorar essa conversa, inclusive a menção do seu pioneirismo. Depois de ler o livro, você nunca mais verá IA (inteligência artificial) da mesma maneira. Estou triste que o livro esteja terminando. Imperdível!

Efemérides

1º de fevereiro 2023

A Marcha dos Idiotas

No dia 8 de janeiro, em Brasília, um grupo de pessoas marchou do Quartel General do Exército até a Sede dos Três Poderes onde invadiu, depredou, defecou, destruiu obras de arte, quebrou vidros, equipamentos, mobiliário violando o Congresso, Supremo Tribunal Federal e o Palacio do Planalto. Foram cenas inacreditáveis e mais inacreditável ainda foram as conivências, os patrocínios, a proteção ao crime pelas forças de segurança e a habilidade em ludibriar essa massa de manobra.

“Redes sociais deram voz a legião de imbecis”, diz Umberto Eco no discurso ao receber o título de doutor honoris causa na Universidade de Turim (junho 2015/Itália). Ele disse que “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

1º de fevereiro 2022

Fim da Pandemia?

A Dinamarca decretou, a partir de hoje, o fim da pandemia. É o primeiro país da Europa a fazer isso. Apesar dos casos ainda estarem altos e da subvariante BA.2 da Ômicron (mais contagiosa) ser a dominante no país. A primeira-ministra Mette Frederiksen anunciou que o país pretende regressar à vida antes do coronavírus e que a doença já não será mais considerada uma ameaça à sociedade. Eles estão se baseando na constante baixa da necessidade de leitos de UTI e não no aumento da contaminação.

O que significa isso? Luz no fim do túnel? Parece até estranho pensarmos, por exemplo, que as máscaras não serão mais utilizadas no transporte público. O gesto da Dinamarca abre um caminho para os outros países se posicionarem em relação as restrições e as medidas sanitárias. A Espanha está indo na direção de se declarar numa endemia ao invés de pandemia. O Reino Unido também tem feitos esforços nessa direção. Será o começo do fim da pandemia?

1º de fevereiro 2021

Como é? 2020 não acabou?

A gente não estava atrelando 2020 com a pandemia?

Fico pensando como esse período vai entrar para a História. Claro que depende da linha do seu historiador favorito. Toda a História é contada de diversas maneiras, com narrativas e fatos próprios de quem conta. Como você vai contar essa história?

1º de fevereiro 2020

Já se passou um ano (25/01/2019) da tragédia de Brumadinho e ainda estamos permitindo que outras possam ocorrer. A morte do Rio Doce em 2015 não levou ninguém para cadeia, ao contrário, pagou altos valores em bônus para o então presidente da Vale do ex-Rio Doce.

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Alan Dubner
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Written by Alan Dubner

Consultoria em Sistemas de Aprendizagem e Educação para Sustentabilidade