Primeiro de Setembro

Alan Dubner
7 min readSep 2, 2020

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Estou publicando mais um texto que pertence ao livro que estou escrevendo. Comecei escrevendo uma carta no dia primeiro de janeiro de 2020 e a cada primeiro dia do mês, escrevo outra. Resolvi publicar a de primeiro de abril e venho repetindo a cada primeiro do mês. Essas cartas estarão no capítulo de uma retrospectiva. Segue a carta:

Bom dia setembro! Bom dia primavera! Bom dia internacional da Paz!

Estamos num momento Fênix de mundo? Um mundo está morrendo e um outro está renascendo de suas cinzas? A Fênix* é um pássaro mitológico que depois de um longo tempo de vida percebe que é a hora de partir, constrói uma pira e canta enquanto arde em fogo. Das suas cinzas nasce uma nova Fênix.

Nova Medicina — Na área da saúde estamos vivendo a quarta crise dos efeitos da Covid19. A primeira foi a constatação dos efeitos que o novo Coronavírus causava, nos diferentes níveis de adoecimento e letalidade. A segunda explicitou o despreparo do sistema de saúde para atender a esse tipo de cenário da pandemia. A terceira crise foi na disrupção dos tratamentos de enfermidades crônicas ou novas intercorrências que não conseguiram ser atendidas adequadamente frente a ocupação integral, do sistema de saúde, no combate a pandemia. A quarta crise (ou onda), que se soma as três anteriores que ainda estão em andamento, está se manifestando na esfera da saúde mental. Questões psíquicas, transtornos mentais, depressão, alcoolismo, dependência de psicoativos, suicídios e outros problemas graves que a pandemia acentuou. Essa situação está levando ao colapso do sistema de saúde mundial. Uma nova forma de olhar a medicina emerge desse caos. É uma emergência (de emergir) desses sistemas complexos (teoria do caos). Um problema sistêmico que não pode ser resolvido com as crenças e valores que criaram esse problema. Nas palavras de Albert Einstein “Nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou.”

A Nova Medicina vai focar na saúde ao invés da doença; vai procurar entender o todo ao invés da especialidade; vai aceitar olhar para todas as formas de medicina ao invés de criar barreiras de proteção para a sua; vai interferir diretamente na qualidade da nutrição ao invés de atender suas consequências negativas; vai se manifestar nas políticas públicas que gerem qualidade do estilo de vida ao invés de transferir essa responsabilidade aos políticos; vai incentivar mais a busca de remédios naturais do que a dos laboratórios; vai ouvir mais do que falar…

A Nova Medicina conta com a ciência, tecnologia, natureza e cultura para se aprimorar constantemente. Os avanços no desenvolvimento da inteligência artificial, da análise do DNA, das possibilidades da impressão 3D, da neurociência, da sabedoria dos povos nativos, da sabedoria dos povos milenares, da biologia da crença, biomimetismo e tantos outros avanços.

Os terapeutas da nova medicina terão que se reinventar e acoplarem os princípios e valores que irão se consolidar na terceira década do século XXI. Quem não começar já… vai perder o bonde. Quem não reconhecer sua ignorância aos novos tempos terá muita dificuldade de aprender e apreender essa nova faceta das terapias em geral. Quanto aos jovens que estão entrando nessa área e nem sabem o que é um “bonde”, as notícias são boas. Ao contrário do que parece o campo profissional vai crescer enormemente, não porque haverá mais doentes e sim porque a busca por cuidar da saúde vai crescer muito. A vantagem dos jovens é que não precisarão descontruir a colonização secular. Estão desenhando o futuro enquanto exercem o presente. Em pouco tempo… acreditem… os jovens ensinarão os profissionais de saúde mais experientes a entender e a se locomover nessa nova medicina. Farão isso ao mesmo tempo que apreciarão e honrarão os ensinamentos dos mais experientes. Preparem-se para um ambiente bem mais saudável no sistema de saúde. Por enquanto parece até impossível. Uma jovem Fênix renascerá das cinzas!

Nova Educação — A essa altura as escolas já estão percebendo que o atual modelo de negócio está fracassando. Enquanto algumas continuam fingindo que estão ensinando outras procuram encontrar uma solução de curto prazo para o problema. Na verdade, os sistemas de aprendizagem terão que pensar no médio e longo prazo para realmente sobreviverem. É uma situação muito difícil para todos os envolvidos. Ninguém está bem nesse momento e as aparentes soluções, nada mais são do que percepções de uma realidade que ainda não conhecemos. Quanto mais cedo se renderem a absoluta necessidade de enfrentarem o desenho de uma nova educação, mais cedo a saúde de todos vai melhorar. Essa é uma tarefa em que todos precisarão participar.

Quando escuto dizerem as duas palavras macabras, “ano perdido” me arrepio até a alma com tamanha falta de visão em educação (me desculpem os que acreditam nisso). Como assim ano perdido? Alguém consegue acreditar que quem viveu em 2020 não aprendeu mais, comparativamente, do que em qualquer dos anos anteriores dessa década? Daqui a 10 anos, qualquer que seja a idade escolar de hoje, você acredita que o estudante aprendeu mais em 2020 ou em 2019? Em 2020 ou em qualquer dos anos de 2011 em diante? A resposta é tão óbvia que precisaria alterar completamente as métricas do que significa aprender, para achar que o ano foi perdido. Podemos, sim, afirmar que foi muito negativo em vários aspectos e até mesmo perigoso quanto a segurança alimentar, violência doméstica e tantos outros problemas que realmente estão acontecendo. O aumento do degrau social de acesso à educação, a situação insalubre dos professores, a incerteza de como será o mês seguinte e tantos outros problemas que estão ocorrendo não fazem de 2020, nem de longe, um ano perdido!

O sistema de educação brasileiro já estava quebrado antes da pandemia. O Brasil ocupa um lugar vergonhoso no ranking mundial. E por incrível que isso pareça pode ser uma grande vantagem para o nosso país. O fato de ainda estarmos no século XIX quanto a educação e tudo que estamos vivendo esse ano desmorona o sistema todo… podemos migrar diretamente para o século XXI. Fizemos isso com a tecnologia da informação no final dos anos 80. Estávamos tão atrasados em termos tecnológicos que quando resolvemos finalmente entrar, já pulamos diretamente para uma etapa mais inovadora. Enquanto os EUA e a Europa estavam se readaptando dos sistemas antigos para os novos, nós fomos diretos para os novos. Durante muitos anos lideramos mundialmente os sistemas de informação bancários, financeiros, agrícolas e outros. Não tivemos que pagar os custos de uma longa jornada de aprendizagem e amortizar o capital investido nesses primórdios de TI. O mesmo pode acontecer com a educação. Podemos ir direto para uma nova educação criar sistemas de aprendizagem que servirão de modelo para muitos países. Sim podemos nos tornar um modelo para o mundo. Resta saber se vamos continuar nessa toada onde a educação não tem importância para o país.

Nova Economia — O que parecia distante no tempo está cada vez mais atual. As diversas versões de uma nova economia estão se mostrando bem fortes nesse período onde a economia tradicional está perdendo tempo e espaço. Conceitos de economias como a Economia Circular, Economia Criativa, Economia Verde, Economia Social, Economia Compartilhada, Economia Gift e muitas outras que estão fartamente explicadas no livro, estão ganhando terreno no mundo inteiro.

Nova Política — Quando teremos um sistema político no Brasil que seja justo e decente? Será que já tivemos? Fico realmente impressionado que praticamente todo mundo acredita que o sistema eleitoral é sinônimo de democracia. Será que poderíamos refletir na ideia de que ao contrário, o atual sistema eleitoral brasileiro nos distancia da democracia? Será uma heresia?

Vou ficar por aqui e deixar um vídeo (gravado na semana passada) bem ilustrativo dessa minha carta de hoje. Trata-se de uma palestra de Sua Santidade o Dalai Lama sobre A Necessidade de Ética Secular no Sistema Educacional Moderno. Imperdível. Ainda sem legendas em português. https://youtu.be/DX68mxp9Jw0

Fênix *

O mito da Fênix é muito antigo. Deve ter milhares de anos de existência. Segue a descrição do poeta persa sufista Farid al-Din Attar, no livro A Conferência dos Pássaros, de 1177:

“Na Índia vive um pássaro que é único: a encantadora fênix tem um bico extraordinariamente longo e muito duro, perfurado com uma centena de orifícios, como uma flauta. Não tem fêmea, vive isolada e seu reinado é absoluto. Cada abertura em seu bico produz um som diferente, e cada um desses sons revela um segredo particular, sutil e profundo.

Quando ela faz ouvir essas notas plangentes, os pássaros e os peixes agitam-se, as bestas mais ferozes entram em êxtase; depois todos silenciam. Foi desse canto que um sábio aprendeu a ciência da música. A fênix vive cerca de mil anos e conhece de antemão a hora de sua morte. Quando ela sente aproximar-se o momento de retirar o seu coração do mundo, e todos os indícios lhe confirmam que deve partir, constrói uma pira reunindo ao redor de si lenha e folhas de palmeira.

Em meio a essas folhas entoa tristes melodias, e cada nota lamentosa que emite é uma evidência de sua alma imaculada. Enquanto canta, a amarga dor da morte penetra seu íntimo e ela treme como uma folha. Todos os pássaros e animais são atraídos por seu canto, que soa agora como as trombetas do Último Dia; todos aproximam-se para assistir ao espetáculo de sua morte, e, por seu exemplo, cada um deles determina-se a deixar o mundo para trás e resigna-se a morrer. De fato, nesse dia um grande número de animais morre com o coração ensanguentado diante da fênix, por causa da tristeza de que a veem presa.

É um dia extraordinário: alguns soluçam em simpatia, outros perdem os sentidos, outros ainda morrem ao ouvir seu lamento apaixonado. Quando lhe resta apenas um sopro de vida, a fênix bate suas asas e agita suas plumas, e deste movimento produz-se um fogo que transforma seu estado. Este fogo espalha-se rapidamente para folhagens e madeira, que ardem agradavelmente. Breve, madeira e pássaro tornam-se brasas vivas, e então cinzas. Porém, quando a pira foi consumida e a última centelha se extingue, uma pequena fênix desperta do leito de cinzas.”

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Alan Dubner
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Written by Alan Dubner

Consultoria em Sistemas de Aprendizagem e Educação para Sustentabilidade

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